A crônica
é uma forma textual no estilo de narração que tem por base fatos que acontecem
em nosso cotidiano. Por este motivo, é uma leitura agradável, pois o leitor
interage com os acontecimentos e por muitas vezes se identifica com as ações
tomadas pelas personagens.
Você já
deve ter lido algumas crônicas, pois estão presentes em jornais, revistas e
livros. Além do mais, é uma leitura que nos envolve, uma vez que utiliza a
primeira pessoa e aproxima o autor de quem lê. Como se estivessem em uma
conversa informal, o cronista tende a dialogar sobre fatos até mesmo íntimos
com o leitor.
O texto é
curto e de linguagem simples, o que o torna ainda mais próximo de todo tipo de
leitor e de praticamente todas as faixas etárias. A sátira, a ironia, o uso da
linguagem coloquial demonstrada na fala das personagens, a exposição dos
sentimentos e a reflexão sobre o que se passa estão presentes nas crônicas.
Como exposto acima, há vários motivos que levam os leitores a gostar das
crônicas, mas e se você fosse escrever uma, o que seria necessário? Vejamos de
forma esquematizada as características da crônica:
•
Narração curta;
•
Descreve fatos da vida cotidiana;
• Pode
ter caráter humorístico, crítico, satírico e/ou irônico;
• Possui
personagens comuns;
• Segue
um tempo cronológico determinado;
• Uso da
oralidade na escrita e do coloquialismo na fala das personagens;
•
Linguagem simples.
Portanto,
se você não gosta ou sente dificuldades de ler, a crônica é uma dica
interessante, pois possui todos os requisitos necessários para tornar a leitura
um hábito agradável!
Alguns
cronistas (veteranos e mais recentes) são: Fernando Sabino, Rubem Braga, Luis
Fernando Veríssimo, Carlos Heitor Cony, Carlos Drummond de Andrade, Fernando
Ernesto Baggio, Lygia Fagundes Telles, Machado de Assis, Max Gehringer, Moacyr
Scliar, Pedro Bial, Arnaldo Jabor, dentre outros.
Rubem Braga - Biografia
Rubem Braga
(1913-1990) foi cronista, poeta, repórter, tradutor e crítico de artes
plásticas.
Escreveu grandes obras como: Casa do Braga, O Conde e o Passarinho e Três Primitivos.
Tornou-se conhecido do grande público ao escrever crônicas em jornais de grande circulação.
Escreveu grandes obras como: Casa do Braga, O Conde e o Passarinho e Três Primitivos.
Tornou-se conhecido do grande público ao escrever crônicas em jornais de grande circulação.
Na crônica
abaixo, Rubem Braga retrata um fato do cotidiano, porém a maneira de tratar o
fato dá a essa crônica a característica da universalidade que distingue o autor
tornando-o um renovador da crônica brasileira.
Texto 1:
O padeiro
Levanto cedo, faço minhas abluções, ponho a chaleira no fogo para
fazer café e abro a porta do apartamento - mas não encontro o pão costumeiro.
No mesmo instante me lembro de ter lido alguma coisa nos jornais da véspera
sobre a "greve do pão dormido". De resto não é bem uma greve, é um
lockout, greve dos patrões, que
suspenderam o trabalho noturno; acham que obrigando o povo a tomar seu café da
manhã com pão dormido conseguirão não sei bem o que do governo.
Está bem. Tomo o meu café com pão dormido, que não é tão ruim assim. E enquanto tomo café vou me lembrando de um homem modesto que conheci antigamente. Quando vinha deixar o pão à porta do apartamento ele apertava a campainha, mas, para não incomodar os moradores, avisava gritando:
- Não é ninguém, é o padeiro!
Interroguei-o uma vez: como tivera a idéia de gritar aquilo?
"Então você não é ninguém?”
Ele abriu um sorriso largo. Explicou que aprendera aquilo de ouvido. Muitas vezes lhe acontecera bater a campainha de uma casa e ser atendido por uma empregada ou outra pessoa qualquer, e ouvir uma voz que vinha lá de dentro perguntando quem era; e ouvir a pessoa que o atendera dizer para dentro: "não é ninguém, não senhora, é o padeiro". Assim ficara sabendo que não era ninguém...
Ele me contou isso sem mágoa nenhuma, e se despediu ainda sorrindo. Eu não quis detê-lo para explicar que estava falando com um colega, ainda que menos importante. Naquele tempo eu também, como os padeiros, fazia o trabalho noturno. Era pela madrugada que deixava a redação de jornal, quase sempre depois de uma passagem pela oficina - e muitas vezes saía já levando na mão um dos primeiros exemplares rodados, o jornal ainda quentinho da máquina, como pão saído do forno.
Ah, eu era rapaz, eu era rapaz naquele tempo! E às vezes me julgava importante porque no jornal que levava para casa, além de reportagens ou notas que eu escrevera sem assinar, ia uma crônica ou artigo com o meu nome. O jornal e o pão estariam bem cedinho na porta de cada lar; e dentro do meu coração eu recebi a lição de humildade daquele homem entre todos útil e entre todos alegre; "não é ninguém, é o padeiro!"
E assobiava pelas escadas.
Está bem. Tomo o meu café com pão dormido, que não é tão ruim assim. E enquanto tomo café vou me lembrando de um homem modesto que conheci antigamente. Quando vinha deixar o pão à porta do apartamento ele apertava a campainha, mas, para não incomodar os moradores, avisava gritando:
- Não é ninguém, é o padeiro!
Interroguei-o uma vez: como tivera a idéia de gritar aquilo?
"Então você não é ninguém?”
Ele abriu um sorriso largo. Explicou que aprendera aquilo de ouvido. Muitas vezes lhe acontecera bater a campainha de uma casa e ser atendido por uma empregada ou outra pessoa qualquer, e ouvir uma voz que vinha lá de dentro perguntando quem era; e ouvir a pessoa que o atendera dizer para dentro: "não é ninguém, não senhora, é o padeiro". Assim ficara sabendo que não era ninguém...
Ele me contou isso sem mágoa nenhuma, e se despediu ainda sorrindo. Eu não quis detê-lo para explicar que estava falando com um colega, ainda que menos importante. Naquele tempo eu também, como os padeiros, fazia o trabalho noturno. Era pela madrugada que deixava a redação de jornal, quase sempre depois de uma passagem pela oficina - e muitas vezes saía já levando na mão um dos primeiros exemplares rodados, o jornal ainda quentinho da máquina, como pão saído do forno.
Ah, eu era rapaz, eu era rapaz naquele tempo! E às vezes me julgava importante porque no jornal que levava para casa, além de reportagens ou notas que eu escrevera sem assinar, ia uma crônica ou artigo com o meu nome. O jornal e o pão estariam bem cedinho na porta de cada lar; e dentro do meu coração eu recebi a lição de humildade daquele homem entre todos útil e entre todos alegre; "não é ninguém, é o padeiro!"
E assobiava pelas escadas.
Texto
extraído do livro:
Para gostar de ler, Vol I - Crônicas. Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Rubem Braga. 12ª Edição. Editora Ática. São Paulo. 1989. p.63 -64.
Para gostar de ler, Vol I - Crônicas. Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Rubem Braga. 12ª Edição. Editora Ática. São Paulo. 1989. p.63 -64.
Texto 2:
01
02
03
04
05
06
07
08
09
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
|
A VELHA CONTRABANDISTA
Stanislaw Ponte Preta
Diz que era uma velhinha que sabia andar de
lambreta. Todo dia ela passava na fronteira montada na lambreta, com um bruto
saco atrás da lambreta. O pessoal da alfândega — tudo malandro velho —
começou a desconfiar da velhinha.
Um dia, quando ela vinha na lambreta com o saco
atrás, o fiscal da alfândega mandou ela parar. A velhinha parou e então o
fiscal perguntou assim pra ela:
— Escuta aqui, vovozinha, a senhora passa por
aqui todo dia, com esse saco aí atrás. Que diabo a senhora leva nesse saco?
A velhinha sorriu com os poucos dentes que lhe
restavam e mais os outros, que ela adquirira no odontólogo, e respondeu:
— É areia!
Aí quem sorriu foi o fiscal. Achou que não era
areia nenhuma e mandou a velhinha saltar da lambreta para examinar o saco. A
velhinha saltou, o fiscal esvaziou o saco e dentro só tinha areia. Muito
encabulado, ordenou à velhinha que fosse em frente. Ela montou na lambreta e
foi embora, com o saco de areia atrás.
Mas o fiscal ficou desconfiado ainda. Talvez a
velhinha passasse um dia com areia e no outro com muamba, dentro daquele
maldito saco. No dia seguinte, quando ela passou na lambreta com o saco
atrás, o fiscal mandou parar outra vez. Perguntou o que é que ela levava no
saco e ela respondeu que era areia, uai! O fiscal examinou e era mesmo.
Durante um mês seguido o fiscal interceptou a velhinha e, todas as vezes, o
que ela levava no saco era areia.
Diz que foi aí que o fiscal se chateou:
— Olha, vovozinha, eu sou fiscal de alfândega com
quarenta anos de serviço. Manjo essa coisa de contrabando pra burro. Ninguém
me tira da cabeça que a senhora é contrabandista.
— Mas no saco só tem areia! — insistiu a
velhinha. E já ia tocar a lambreta, quando o fiscal propôs:
— Eu prometo à senhora que deixo a senhora
passar. Não dou parte, não apreendo, não conto nada a ninguém, mas a senhora
vai me dizer: qual é o contrabando que a senhora está passando por aqui todos
os dias?
— O senhor promete que não "espaia"? —
quis saber a velhinha.
— Juro — respondeu o fiscal.
— É lambreta.
PONTE PRETA, Stanislaw. In: Para gostar de ler
— crônicas. São Paulo: Ática, 1983.
|
Texto 3:
01
02
03
04
05
06
07
08
09
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31
32
33
34
|
O HOMEM TROCADO
Luis Fernando Verissimo
O homem acorda da anestesia e olha em volta. Ainda está na sala de
recuperação. Há uma enfermeira do seu lado. Ele pergunta se foi tudo bem.
— Tudo perfeito — diz a enfermeira, sorrindo.
— Eu estava com medo desta operação...
— Por quê? Não havia risco nenhum.
— Comigo, sempre há risco. Minha vida tem sido uma série de enganos...
E conta que os enganos começaram com seu nascimento. Houve uma troca
de bebês no berçário e ele foi criado até os dez anos por um casal de
orientais, que nunca entenderam o fato de terem um filho claro com olhos
redondos. Descoberto o erro, ele fora viver com seus verdadeiros pais. Ou com
sua verdadeira mãe, pois o pai abandonara a mulher depois que esta não
soubera explicar nascimento de um bebê chinês.
— E o meu nome? Outro engano.
— Seu nome não é Lírio?
— Era para ser Lauro. Enganaram-se no cartório e...
Os enganos se sucediam. Na escola, vivia recebendo castigo pelo que
não fazia. Fizera o vestibular com sucesso, mas não conseguira entrar na
universidade. O computador se enganara, seu nome não apareceu na lista.
— Há anos que minha conta de telefone vem com cifras incríveis. No mês
passado tive que pagar mais de Cr$ 300 mil.
— O senhor não faz chamadas interurbanas?
— Eu não tenho telefone!
Conhecera sua mulher por engano. Ela o confundira com outro. Não foram
felizes.
— Por quê?
— Ela me enganava.
Fora preso por engano. Várias vezes. Recebia intimações para pagar
dívidas que não fazia. Até tivera uma breve, louca alegria, quando ouvira o
médico dizer:
— O senhor está desenganado.
![]()
— E se você diz que a operação foi bem...
A enfermeira parou de sorrir.
— Apendicite? — perguntou, hesitante.
— É. A operação era para tirar o apêndice.
— Não era para trocar de sexo?
VERISSIMO, Luis
Fernando. Todas as comédias. Porto Alegre: L&PM, 1999, p. 123-4.
|
Texto 4:
01
02
03
04
05
06
07
08
09
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31
32
33
34
35
36
37
38
39
40
41
42
43
44
45
46
|
LÍNGUA BRASILEIRA
Kledir Ramil
"Outro dia encontrei um
mandinho, um guri desses que andam pela rua sem carpim, de bragueta aberta,
soltando pandorga. Eu vinha de bici, descendo a lomba pra ir na lancheria
comprar umas bergamotas..."
Se você não é gaúcho, provavelmente
não entendeu nada do que eu estava contando. No Rio Grande do Sul a gente
chama tangerina de bergamota e carne moída de guisado. Bidê, que a maioria
usa no banheiro é o nome que nós demos para a mesinha de cabeceira, que em
alguns lugares chamam de criado mudo. E por aí vai. A privada
nós chamamos de patente. Dizem que começou com a chegada dos primeiros vasos
sanitários de louça, vindos da Inglaterra, que traziam impresso
"Patent" número tal. E pegou.
Ir aos pés no RS é fazer cocô. Eu
acho tri elegante, poético. "Com licença, vou aos pés e já volto".
Uma amiga carioca foi passear em Porto Alegre e precisou de um médico. A
primeira coisa que ele perguntou foi:
"Vais aos pés normalmente, minha filha?" Ela na mesma hora
levantou e começou a fazer flexão.
O Brasil tem dessas coisas, é um país
maravilhoso, com o português como língua oficial, mas cheio de dialetos
diferentes.
No Rio é "e aí merrmão! CB,
sangue bom! Vai rolá umach paradach". Até eu entender que merrmão era
"meu irmão" levou um tempo.
Em São Paulo eles botam um "i" a mais na frente do
"n": "ôrra meu! Tô por deintro, mas não tô inteindeindo".
E no interiorrr falam um erre todo enrolado: "a Ferrrnanda marrrcô a porrrteira". Dá
um nó na língua. A vantagem é que a
pronúncia deles no inglês é ótima.
Em Mins, quer dizer em Minas, eles
engolem letras e falam Belzonte, Nossenhora e qualquer objeto é chamado de
trem. Lembrei daquela história do mineirinho na plataforma da estação. Quando
ouviu um apito, falou apontando as malas: "Muié, pega os trem que o
bicho tá vindo".
No nordeste é tudo meu rei, bichinho,
ó xente. Pai é painho, mãe é mainha, vó é vóinha. E pra você conseguir falar
com o acento típico da região, é só cantar sempre a primeira sílaba de
qualquer palavra numa nota mais aguda que as seguintes.
Mas o lugar mais curioso de todos é
Florianópolis. Lagartixa eles chamam de crocodilinho de parede. Helicóptero é
avião de rosca (que deve ser lido rôchca). Carne moída é boi ralado. Se você
quiser um pastel de carne precisa pedir um envelope de boi ralado. Telefone
público, o popular orelhão, é conhecido como poste de prosa e a ficha de
telefone é pastilha de prosa. Ovo eles chamam de semente de galinha e motel é
lugar de instantinho.
E a pronúncia correta de d+e é
"di" mesmo e não "dji" como a gente fala. Também t+i é "ti" e não "tchi". Dizem que vem da
colonização açoriana, mas eu acho que essa pronúncia vem sendo potencializada
pela influência do castelhano, com a invasão de argentinos no litoral
catarinense sempre que chega o verão. Alguma coisa eles devem deixar, além do
lixo na praia.
Em Porto Alegre, uma empresa tentou
lançar um serviço de entrega a domicílio de comida chinesa, o Tele China. Só
que um dos significados de china no RS é prostituta. Claro que não deu certo.
Imagina a confusão, um cara pede uma loira às 2 da manhã e recebe a sugestão
de Frango Xadrez com Rolinho Primavera. Banana Caramelada! O que é que o cara
vai querer com uma Banana Caramelada no meio da madrugada? Tudo isso é muito engraçado, mas às vezes
dá problema sério.
A primeira vez que minha mãe foi ao Rio de
Janeiro, entrou numa padaria e pediu: "Me dá um cacete!!!". Cacete
pra nós é pão francês. O padeiro caiu na risada, chamou ela num canto e
tentou contornar a situação. Ela ingenuamente emendou: "Mas o senhor não
tem pelo menos um cacetinho?"
![]()
RAMIL, Kledir. Tipo assim.
Porto Alegre: RBS Publicações, 2003.
|
LINGUA PORTUGUESA – PROFESSOR:
ELEMAR GOMES –
ACESSE: www.aulasdaminhavida.com.br