29 de out. de 2012

VERBOS



LEIA:
O Verbo “For” AUTOR: João Ubaldo Ribeiro

Vestibular de verdade era no meu tempo. Já estou chegando, ou já cheguei, à altura da vida em que tudo de bom era no meu tempo; meu e dos outros coroas. Acho inadmissível e mesmo chocante (no sentido antigo) um coroa não ser reacionário. Somos uma força histórica de grande valor. Se não agíssemos com o vigor necessário — evidentemente o condizente com a nossa condição provecta —, tudo sairia fora de controle, mais do que já está. O vestibular, é claro, jamais voltará ao que era outrora e talvez até desapareça, mas julgo necessário falar do antigo às novas gerações e lembrá-lo às minhas coevas (ao dicionário outra vez; domingo, dia de exercício).
O vestibular de Direito a que me submeti, na velha Faculdade de Direito da Bahia, tinha só quatro matérias: português, latim, francês ou inglês e sociologia, sendo que esta não constava dos currículos do curso secundário e a gente tinha que se virar por fora. Nada de cruzinhas, múltipla escolha ou matérias que não interessassem diretamente à carreira. Tudo escrito tão ruybarbosianamente quanto possível, com citações decoradas, preferivelmente. Os textos em latim eram As Catilinárias ou a Eneida, dos quais até hoje sei o comecinho.
Havia provas escritas e orais. A escrita já dava nervosismo, da oral muitos nunca se recuperaram inteiramente, pela vida afora. Tirava-se o ponto (sorteava-se o assunto) e partia-se para o martírio, insuperável por qualquer esporte radical desta juventude de hoje. A oral de latim era particularmente espetacular, porque se juntava uma multidão, para assistir à performance do saudoso mestre de Direito Romano Evandro Baltazar de Silveira. Franzino, sempre de colete e olhar vulpino (dicionário, dicionário), o mestre não perdoava.
— Traduza aí quousque tandem, Catilina, patientia nostra — dizia ele ao entanguido vestibulando.
— "Catilina, quanta paciência tens?" — retrucava o infeliz.
Era o bastante para o mestre se levantar, pôr as mãos sobre o estômago, olhar para a platéia como quem pede solidariedade e dar uma carreirinha em direção à porta da sala.
— Ai, minha barriga! — exclamava ele. — Deus, oh Deus, que fiz eu para ouvir tamanha asnice? Que pecados cometi, que ofensas Vos dirigi? Salvai essa alma de alimária. Senhor meu Pai!
Pode-se imaginar o resto do exame. Um amigo meu, que por sinal passou, chegou a enfiar, sem sentir, as unhas nas palmas das mãos, quando o mestre sentiu duas dores de barriga seguidas, na sua prova oral. Comigo, a coisa foi um pouco melhor, eu falava um latinzinho e ele me deu seis, nota do mais alto coturno em seu elenco.
O maior público das provas orais era o que já tinha ouvido falar alguma coisa do candidato e vinha vê-lo "dar um show". Eu dei show de português e inglês. O de português até que foi moleza, em certo sentido. O professor José Lima, de pé e tomando um cafezinho, me dirigiu as seguintes palavras aladas:
— Dou-lhe dez, se o senhor me disser qual é o sujeito da primeira oração do Hino Nacional!
— As margens plácidas — respondi instantaneamente e o mestre quase deixa cair a xícara.
— Por que não é indeterminado, "ouviram, etc."?
— Porque o "as" de "as margens plácidas" não é craseado. Quem ouviu foram as margens plácidas. É uma anástrofe, entre as muitas que existem no hino. "Nem teme quem te adora a própria morte": sujeito: "quem te adora." Se pusermos na ordem direta...
— Chega! — berrou ele. — Dez! Vá para a glória! A Bahia será sempre a Bahia!
Quis o irônico destino, uns anos mais tarde, que eu fosse professor da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia e me designassem para a banca de português, com prova oral e tudo. Eu tinha fama de professor carrasco, que até hoje considero injustíssima, e ficava muito incomodado com aqueles rapazes e moças pálidos e trêmulos diante de mim. Uma bela vez, chegou um sem o menor sinal de nervosismo, muito elegante, paletó, gravata e abotoaduras vistosas. A prova oral era bestíssima. Mandava-se o candidato ler umas dez linhas em voz alta (sim, porque alguns não sabiam ler) e depois se perguntava o que queria dizer uma palavra trivial ou outra, qual era o plural de outra e assim por diante. Esse mal sabia ler, mas não perdia a pose. Não acertou a responder nada. Então, eu, carrasco fictício, peguei no texto uma frase em que a palavra "for" tanto podia ser do verbo "ser" quanto do verbo "ir". Pronto, pensei. Se ele distinguir qual é o verbo, considero-o um gênio, dou quatro, ele passa e seja o que Deus quiser.
— Esse "for" aí, que verbo é esse?
Ele considerou a frase longamente, como se eu estivesse pedindo que resolvesse a quadratura do círculo, depois ajeitou as abotoaduras e me encarou sorridente.
— Verbo for.
— Verbo o quê?
— Verbo for.
— Conjugue aí o presente do indicativo desse verbo.
— Eu fonho, tu fões, ele fõe - recitou ele, impávido. — Nós fomos, vós fondes, eles fõem.
Não, dessa vez ele não passou. Mas, se perseverou, deve ter acabado passando e hoje há de estar num posto qualquer do Ministério da Administração ou na equipe econômica, ou ainda aposentado como marajá, ou as três coisas. Vestibular, no meu tempo, era muito mais divertido do que hoje e, nos dias que correm, devidamente diplomado, ele deve estar fondo para quebrar. Fões tu? Com quase toda a certeza, não. Eu tampouco fonho. Mas ele fõe.
Esta crônica foi publicada no jornal "O Globo" (e em outros jornais) na edição de domingo, 13 de setembro de 1998 e integra o livro "O Conselheiro Come", Ed Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 2000, pág. 20.
Vocabulário:
Impávido: destemido. 
Perseverar: persistir, continuar.
Quadratura do círculo: operação que visa encontrar a área do círculo.
RuibarSanamente: ao estilo de Rui Barbosa, estadista jurisconsulto republicano, nascido na Bahia em 1849, que se destacou por seus discursos patrióticos escritos em estilo pomposo.

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PARA QUE SERVE O VERBO?

O verbo está diretamente relacionado com a existência e com a ação do homem no mundo. Por exemplo, toda vez que queremos dizer que alguém fez alguma coisa ou que alguém é, empregamos verbos. Assim, juntamente com o nome, o verbo é a base da linguagem verbal.

Estudo do texto: “O verbo for”
  1. No 2.º parágrafo do texto, o autor emprega um neologismo, a palavra ruibarbosianamente, criada a partir do nome próprio Rui Barbosa. Observe a forma como foi construída essa palavra. Que processos de formação de palavra foram empregadas em sua criação?
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  1. Releia este trecho: "Então, eu, carrasco fictício, peguei no texto uma frase em que a palavra 'for' tanto podia ser do verbo 'ser' quanto do verbo 'ir'".
a)      Crie uma frase em que você empregue a palavra for como uma forma do verbo ser e outra em que ela seja uma forma do verbo ir.
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b)      Nas duas frases que você criou, em que tempo está a forma for?
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c)      Esses verbos apresentam semelhanças em todas as pessoas desse tempo verbal?
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  1. A pergunta feita ao candidato foi: "— Esse 'for' aí, que verbo é esse?". Dos seguintes comentários a respeito dessa pergunta, qual é o mais procedente?
a)(  )A pergunta é clara e o candidato não sabia nada sobre verbos.
b)(  )O candidato não sabia nada sobre verbos, mas a pergunta induzia ao erro, pois seria mais claro perguntar: "A forma verbal for a que verbo pertence?".
c)(  )O candidato não sabia nada sobre verbos, mas a pergunta seria mais clara se o examinador tivesse pergun­tado: "A que tempo pertence o verbo for?".

  1. Ao ser solicitado a conjugar o verbo for, o candidato não hesita:"— Eu fonho, tu fões, ele fõe [...] Nós fomos, vós fondes, eles fõem". Observe as terminações dessas formas verbais. Que verbo o candidato tomou por modelo para conjugar for?
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  1. No final do texto, o autor ironicamente afirma que o candidato deve estar hoje no Ministério da Administra­ção, na equipe econômica ou aposentado como marajá. E acrescenta: "ele deve estar fondo para quebrar Fões tu? Com quase toda a certeza, não. Eu tampouco fonho. Mas ele fõe". Considerando o contexto, responda:
a)      Em que consiste a crítica política implícita na ironia feita pelo autor?
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b)      Qual o sentido da forma fondo em "ele deve estar fondo para quebrar"?
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c)      Além desse, que outro possível sentido, no contexto, têm as formas foes, fonho e fõel?
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  1. Identifique o que os verbos indicam: ação, estado ou fenômeno.
a) "Meu pai montava a cavalo, Ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo." (Carlos Drumond de Andrade)
b) Andando, andando, não parem!
c) A história dela parecia ser mais es­cabrosa.
d) "Lava roupa todo dia, que agonia." (Luiz Melodia)
e) "Era verão, em Taquara. Fazia um calor dos diabos no Cimol..." (Prof.º: Elemar Gomes)
f) "Olhou-me com uns olhos enormes, não disse nada." (Paulo Mendes Campos)
g) "Todo o dia garoou intermitente­mente." (Euclides da Cunha) h) "O céu está plúmbeo. Chove." (Euclides da Cunha)
     7.  Substitua as lacunas pelo presente do in­dicativo ou     pelo presente do subjuntivo.
a) No aviso estava escrito: "........................-se silên­cio". (pedir)
b) "No morro Dona Marta ....................... a lua. (bater)A moça morena .................... os cabelos. (soltar) E ....................... com a prata do luar." (deslum­brar-se)            (Ferreira Gullar)
c) "Espero que ....................... o meu amor, (chegar)
d)Que ......................... com tanta agonia (esperar)
e)Que .......................... com imensa alegria (vir)
f)Que me ...................... com todo o seu calor." (contemplar) - (Popular)
d) "Embora ...................... necessário registro, es­pero que  ................. o documento  assim mesmo, meu senhor." (ser / aceitar) (Fernando Sabino)
e) "......................... quando salta pelas campinas, todo aquele ar selvagem que ....................... pare­ce confundir-se com o ambiente, (ter) Os campos ......................... Iracema com familiaridade .­(receber) ..................................-na, .............................-na." (acariciar/ adular)           (José de Alencar)
f) "Não obstante ......................... junto com a tribo, (habitar) a índia ...................... ser senhora das campinas, (parecer) embora não ........................... nenhuma soberania." (exercer)
(José de Alencar)
g) "Talvez ele me ........................ dos riscos, pensei, (proteger) quem sabe .......................... me interes­sar pelos projetos, (saber) pode ser que .............................. me fazer sorrir." (conseguir)
(Clarice Lispector)