5 de mai. de 2019

ESPECIAL PARA A TURMA 173

TEXTO SEM PONTUAÇÃO
Somos um país de analfabetos
__A verdadeira democracia tem de oferecer                                 Lya Luft
a todos o direito de saber ler e escrever__
pensar__ questionar e escolher"
Segundo pesquisa do confiável IBGE_ estamos num vergonhoso lugar entre os países da América Latina_ no que diz respeito à alfabetização_ O que nos faltou e tanto nos falta ainda_ Posso dizer que tem sobrado ufanismo_ Não somos os melhores_ não somos invulneráveis_ somos um país emergente_ com riquezas ainda nem descobertas_ outras mal administradas_ Somos um povo resistente e forte_ capaz de uma alegria e fraternidade que as quadrilhas_ o narcotráfico e a assustadora violência atuais não diminuem_ Um povo com uma rara capacidade de improvisação positiva_ esperança e honradez_
Ilustração Atômica Studio
               O sonho de morar fora daqui para escapar não vale_ Na velha e sisuda Europa não há um sol como este_ Recordo meu espanto na primeira estada por lá_ num verão_ vendo o sol oblíquo e pálido_ Lá não se ri_ não se abraça como aqui_ Eles trabalham mais e ganham mais_ é verdade_ A pobreza por lá é menos pobre porque_ se fosse miserável_ morreriam todos de frio na primeira nevasca_ O salário-desemprego é tão bom que_ infelizmente_ muitos decidem viver só com ele_ o mercado de trabalho lá também é cruel_ e com os estrangeiros_ nem se fala_ Em muitas coisas somos muito melhores_
Mas somos um país analfabeto_ Alfabetizado não é_ já disse e escrevo freqüentemente_ aquele que assina seu nome_ mas quem assina um documento que leu e compreendeu_ A verdadeira democracia tem de oferecer a todos esse direito_ pois ler e escrever_ como pensar_ questionar e escolher_ é um direito_ É questão de dignidade_ Quando eu era professora universitária_ na década de 70_ já recebíamos nas faculdades vários alunos que mal conseguiam escrever uma frase e expor um pensamento claro_ -_Eu sei_ mas não sei dizer nem escrever isso" é uma desculpa pobre_ Não preciso ser intelectual_ mas devo poder redigir ao menos um breve texto decente e claro_ Preciso ser bem alfabetizado_ isto é_ usar meu instrumento de expressão completo_ falado e escrito_ dentro do meu nível de vida e do nível de vida do meu grupo_
Para isso_ é essencial uma boa escola desde os primeiros anos_ dever inarredável do estado_ Não me digam que todas as comunidades têm escolas e que estas têm o necessário para um ensino razoável_ para que até o mais pobre e esquecido no mais esquecido e pobre recanto possa se tornar um cidadão inteiro e digno_ com acesso à leitura e à escrita_ isto é_ à informação_ Um sujeito capaz de fazer boas escolhas de vida_ pronto para se sustentar e que_ na grave hora de votar_ sabe o que está fazendo_ Enquanto alardeamos façanhas_ descobertas_ ganhos e crescimento econômico_ a situação nesse campo está cada vez pior_ Muito menos pessoas se alfabetizam de verdade_ dos poucos que chegam ao 2º grau e dos pouquíssimos que vão à universidade_ muitos não saem de lá realmente formados_ Entram na profissão incapazes de produzir um breve texto claro_ São desinteressados da leitura_ mal falam direito_ Não conseguem se informar nem questionar o mundo_ Pouco lhes foi dado_ pouquíssimo lhes foi exigido_
A única saída para tamanha calamidade está no maior interesse pelo que há de mais importante num país_ a educação_ E isso só vai começar quando lhe derem os maiores orçamentos_ Assim se mudará o Brasil_ o resto é conversa fiada_ Investir nisso significa criar mais oportunidades de trabalho_ muito mais gente capacitada a obter salário decente_ Significa saúde_ gente mais bem informada não adoece por ignorância_ isolamento e falta de higiene_ Se ao estado cabe nos ajudar a ser capazes de saber_ entender_ questionar e escolher nossa vida_ é nas famílias_ quando podem comprar livros_ que tudo começa_ "Quantos livros você tem em casa, quantos leu este mês_ E jornal?_, pergunto_ quando me dizem que os filhos não gostam de ler_ Família tem a ver com moralidade_ atenção e afeto_ mas também com a necessária instrumentação para o filho assumir um lugar decente no mundo_ Nascemos nela_ nela vivemos_ Mas com ela também fazemos parte de um país que nos deve_ a todos_ uma educação ótima_ Ela trará consigo muito de tudo aquilo que nos falta_            Lya Luft é escritora

TEXTO PONTUADO
Somos um país de analfabetos
"A verdadeira democracia tem de oferecer a todos o direito de saber ler e escrever, pensar, questionar e escolher"
Segundo pesquisa do confiável IBGE, estamos num vergonhoso lugar entre os países da América Latina, no que diz respeito à alfabetização. O que nos faltou e tanto nos falta ainda? Posso dizer que tem sobrado ufanismo. Não somos os melhores, não somos invulneráveis, somos um país emergente, com riquezas ainda nem descobertas, outras mal administradas. Somos um povo resistente e forte, capaz de uma alegria e fraternidade que as quadrilhas, o narcotráfico e a assustadora violência atuais não diminuem. Um povo com uma rara capacidade de improvisação positiva, esperança e honradez.
O sonho de morar fora daqui para escapar não vale. Na velha e sisuda Europa não há um sol como este. Recordo meu espanto na primeira estada por lá, num verão, vendo o sol oblíquo e pálido. Lá não se ri, não se abraça como aqui. Eles trabalham mais e ganham mais, é verdade. A pobreza por lá é menos pobre porque, se fosse miserável, morreriam todos de frio na primeira nevasca. O salário-desemprego é tão bom que, infelizmente, muitos decidem viver só com ele: o mercado de trabalho lá também é cruel, e com os estrangeiros, nem se fala. Em muitas coisas somos muito melhores.
Mas somos um país analfabeto. Alfabetizado não é, já disse e escrevo freqüentemente, aquele que assina seu nome, mas quem assina um documento que leu e compreendeu. A verdadeira democracia tem de oferecer a todos esse direito, pois ler e escrever, como pensar, questionar e escolher, é um direito. É questão de dignidade. Quando eu era professora universitária, na década de 70, já recebíamos nas faculdades vários alunos que mal conseguiam escrever uma frase e expor um pensamento claro. "Eu sei, mas não sei dizer nem escrever isso" é uma desculpa pobre. Não preciso ser intelectual, mas devo poder redigir ao menos um breve texto decente e claro. Preciso ser bem alfabetizado, isto é, usar meu instrumento de expressão completo, falado e escrito, dentro do meu nível de vida e do nível de vida do meu grupo.
Para isso, é essencial uma boa escola desde os primeiros anos, dever inarredável do estado. Não me digam que todas as comunidades têm escolas e que estas têm o necessário para um ensino razoável, para que até o mais pobre e esquecido no mais esquecido e pobre recanto possa se tornar um cidadão inteiro e digno, com acesso à leitura e à escrita, isto é, à informação. Um sujeito capaz de fazer boas escolhas de vida, pronto para se sustentar e que, na grave hora de votar, sabe o que está fazendo. Enquanto alardeamos façanhas, descobertas, ganhos e crescimento econômico, a situação nesse campo está cada vez pior. Muito menos pessoas se alfabetizam de verdade; dos poucos que chegam ao 2º grau e dos pouquíssimos que vão à universidade, muitos não saem de lá realmente formados. Entram na profissão incapazes de produzir um breve texto claro. São desinteressados da leitura, mal falam direito. Não conseguem se informar nem questionar o mundo. Pouco lhes foi dado, pouquíssimo lhes foi exigido.
A única saída para tamanha calamidade está no maior interesse pelo que há de mais importante num país: a educação. E isso só vai começar quando lhe derem os maiores orçamentos. Assim se mudará o Brasil, o resto é conversa fiada. Investir nisso significa criar mais oportunidades de trabalho: muito mais gente capacitada a obter salário decente. Significa saúde: gente mais bem informada não adoece por ignorância, isolamento e falta de higiene. Se ao estado cabe nos ajudar a ser capazes de saber, entender, questionar e escolher nossa vida, é nas famílias, quando podem comprar livros, que tudo começa. "Quantos livros você tem em casa, quantos leu este mês? E jornal?", pergunto, quando me dizem que os filhos não gostam de ler. Família tem a ver com moralidade, atenção e afeto, mas também com a necessária instrumentação para o filho assumir um lugar decente no mundo. Nascemos nela, nela vivemos. Mas com ela também fazemos parte de um país que nos deve, a todos, uma educação ótima. Ela trará consigo muito de tudo aquilo que nos falta.

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